sexta-feira, 11 de março de 2011

O Primeiro Sinal do Ateísmo Religioso

O utilitarismo relacional se dá quando fazemos do outro algo para o nosso usufruto e não alguém a quem podemos nos entregar numa relação mútua caracterizada pela troca genuína de afetos. Através deste utilitarismo, transformamos a pessoa ou as pessoas com as quais nos relacionamos em objetos do nosso prazer, meras reproduções da nossa própria imagem, extensões pessoais do nosso jeito de ser e agir, "coisas"cuja única utilidade na existência é a satisfação do nosso ego. A conseqüência óbvia, porém nem sempre percebida, é a morte do outro em nossa vida.

Evidentemente este utilitarismo relacional não se dá apenas em nossas relações horizontais, acontece também na nossa relação com Deus. Quando transformamos a Deus em uma "máquina"de responder pedidos, em um ser a quem nos dirigimos quase sempre para ter nossos desejos caprichosos atendidos, em uma mera imagem de nós mesmos, então se dá a morte Dele em nossa vida. Evidencia-se aí o primeiro sinal deste ateísmo religioso, desta "fé" em Deus que O mata como pessoa e O transforma em um objeto de utilidade pessoal.

A religiosidade do nosso tempo está encharcada deste utilitarismo relacional. Por parte das lideranças religiosas percebe-se claramente a intenção de mercantilizar a experiência espiritual, transformando as nossas igrejas em "farmácias da felicidade", nas quais se compram remédios sagrados, prometidos como capazes de aliviar as dores do cotidiano e satisfazer os desejos do nosso coração. Por parte dos fiéis nota-se uma clara postura de cliente, apoiada sobre uma lógica consumista produtora de pessoas em busca de satisfação imediata, sem compromisso de transformação pessoal. É exatamente no encontro da oferta deste tipo de religiosidade por parte da liderança, com a resposta advinda de uma alta demanda desta clientela religiosa, que faz do nosso tempo, paradoxalmente, um momento no qual Deus vai desaparecendo em meio às múltiplas ofertas religiosas.

Mas não era para ser assim! Nas origens mais primitivas do texto bíblico, encontramos a revelação de um Deus pessoal, embriagado de amor por cada um de nós, por isso mesmo torna-se humano na pessoa de Jesus de Nazaré e nos convida a uma relação na qual deseja ser nosso Pai-Mãe, nossa fonte de carinho e afeto, um guia e ao mesmo tempo um companheiro na nossa jornada.

Hoje talvez sejam as igrejas, com esta proposta utilitarista, os túmulos de um Deus cujo desejo maior é um autêntico relacionamento pessoal totalmente fundamentado no amor incondicional, numa mútua entrega motivada exclusivamente pelo sano prazer de se estar junto. O melhor de Deus não é o que pode dar, mas aquilo que é: sua misteriosa e doce presença. Portanto, nada mais drástico para a religião do que transformar esta proposta de relacionamento pessoal, em uma religiosidade egoísta, manipuladora, fria e mercantilista. Não é sem razão que muitas pessoas, com uma fome justa de transcendência, quando se deparam com esta incoerência, terminam por seguir o caminho do ateísmo. Quem sabe elas estão mais perto de Deus, sem tê-lo nos lábios, do que uma multidão, que somente interessada em sua bênção, termina por este infame utilitarismo, inconscientemente, se tornando ateus cheios de religião.

Mas apesar deste cenário, há a clara constatação e a forte esperança da existência de uma espiritualidade, nascida das cinzas deste ateísmo utilitarista, que responde a este maravilhoso convite de Deus o Pai, que por amor se fez Filho em Jesus e por graça pelo seu Santo Espírito habita o mais profundo do ser de todos quantos ousaram amá-Lo como pessoa e não usá-Lo como objeto de sua satisfação.

Autor: EDUARDO ROSA PEDREIRA é pastor presbiteriano, mestre e doutor em Teologia pela PUC-RJ e líder da Comunidade Presbiteriana da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Nenhum comentário: